top of page

Cubillas e a incrível geração peruana dos anos 70.

  • Matheus Morais
  • 27 de mai. de 2015
  • 5 min de leitura

155136.jpg

Os anos 70 foi uma década cataclísmica do futebol sul-americano. Os triúnfos em Copas do Mundo para o Brasil e Argentina foi alguma maneira de mascarar as enormes mudanças estilísticas no desenvolvimento tático das seleções do continente europeu.

A classe seminal do Brasil de 1970 é muitas vezes elogiado como o melhor time a pisar num campo de futebol, enquanto a versão de alto ritmo de Menotti com um jogo argentino de passes tradicionais, trouxe a velocidade de jogo com a evolução do futebol europeu.

Porém, entre estes dois triunfos veio a transição para as potências europeias. A lição mais notável vem na Copa do Mundo de 1974 na Alemanha Ocidental, em que o ritmo e fluidez do Futebol Total, conhecido aqui no Brasil como "Carrossel Holandês", fez até mesmo o Brasil perceber que a mudança era fundamental e necessária. A década também viu um período de ouro improvável para uma das seleções sulamericanas.

Para a maioria, a seleção peruana da década de 1970 evoca memórias do seu suposto envolvimento com a ditadura militar argentina na Copa do Mundo de 1978 em que eles, entregaram um 6x0 para a Argentina num jogo que a Alvi Celeste precisava vencer por pelo menos quatro gols. Outra grande memória - especialmente para os escoceses - foi na Copa de 1978 com a sublime cobrança de falta de Teófilo Cubillas, marcando um golaço com uma batida magistral de "folha seca". O Exército Tartan e o infame Ally MacLeod acharam mesmo assim que sua equipe iria ganhar a Copa do Mundo. O resto da campanha escocesa iria ser desastrosa: um vergonhoso empate em 1x1 com o Irã e um fracasso glorioso, com um incrível gol de Archie Gemmill, diante da magistral Holanda por 3x2.

A nossa memória coletiva de jogos passados, claro, está muitas vezes limitados a grandes momentos de alguma partida ou para o que realmente queremos lembrar: alguns segundos geniais como a cobrança de falta de Cubillas ou a maravilhosa jogada individual de Gemmill, e não que elas, as memórias, tendem ser distorcidas pelo nacionalismo mesquinho, preconceitos pessoais ou dos exageros da mídia.

A seleção peruana dos anos 70, talvez devido à sua falta de sucesso antes e depois, estão sujeitos a esta última tendência. A hipérbole de mídia em sua terra natal tem contribuído para torná-los intocáveis, elevados ao status de lenda e como um exemplo de como o jogo deve ser jogado.

Felizmente para a seleção peruana, eles deixaram evidências irrefutáveis de seu calibre no triunfo Copa América de 1975, derrotando o Brasil em Belo Horizonte por 3x1 no primeiro jogo da semifinal e depois de finalmente despachar a Colômbia por 1x0 na terceira partida da final em Caracas, na Venezuela

Ambas as façanhas da seleção peruana nos anos 70 na Copa do Mundo e da Copa América vieram em momentos difíceis para o empobrecido povo peruano.

Poucos dias antes da Copa do Mundo de 1970 o Peru sofreu um devastador terremoto que deixou cerca de 70 mil pessoas mortas e mais de um milhão de desabrigados. Cubillas, em uma entrevista em 2009, falou de como ele sentiu que, embora trivial em comparação com a tragédia de 1970, ele e seus companheiros tinham, pelo menos, feito algo para elevar os espíritos de seu povo em sua mais escura horas.

O time peruano se qualificou para o México em 70 eliminando os argentinos em sua própria casa, passou da fase de grupos mas caiu num 4x2 em um confronto emocionante com o Brasil. Eles provaram que não foi por acaso que na Argentina em 78, conseguiram arrancar um empate extremamente merecido com a Holanda no caminho para a qualificação para a segunda fase de grupos, em que eles "estranhamente" enfrantaram os anfitriões. Em cada ocasião, eles chegaram entre os oito primeiros e até mesmo a mídia peruana, notoriamente cínicos, tiveram de admitir que o desempenho da equipe tinha sido um sucesso.

No ano de 1975 o triunfo do Peru na Copa América jogou contra o pano de fundo de um golpe militar de direita conhecido como "El Tacnazo" (assim chamado já que ocorreu no sul da cidade de Tacna), com os direitos humanos mais frágeis a cada dia e num espiral político de instabilidade que acabaria no surgimento de uma insurgência maoísta de guerrilha extremamente controversa, chamada "Sendero Luminoso", até o final da década. A seleção peruana deu à nação algo de que se orgulhar na cena internacional, e forneceu uma distração muito necessária de eventos em sua terra natal.

Na década de 1970 o Peru tinha uma coleção de jogadores verdadeiramente capazes de bater qualquer um com o seu atraente futebol de toque rápido de bola. Na verdade, a vitória por 3x1 sobre o Brasil na Copa América de 1975 foi conseguida não como desculpa muito utilizada para neutralizar uma atuação da seleção brasileira, mas num "combater fogo com fogo", tirando o jogo da nação de futebol mais emblemático do mundo.

cubillas_2csotilycueto1978.jpg

O meio-campo do Peru foi apresentado como o melhor do mundo na época com Hugo Sotil (no meio da foto), que ganhou um título da La Liga no mesmo Barcelona de Johan Cruyff; Teofilo Cubillas (à esquerda) que é o jogador mais amado e maior artilheiro da história da seleção peruana; e finalmente, César Cueto (à direita), conhecido como "el poeta de la zurda", que literalmente traduzindo seria "o poeta do pé esquerdo". (Todos os três jogando pelo Allianza Lima em 1977 e 1978)

Aliada a esta variedade de jogadores elegantes, a linha defensiva foi habilmente comandada por Juan Carlos Oblitas apelidado de "El Ciego", assim chamado por causa de sua miopia aguda (ele usava lentes de contatos em campo e era realmente muito bom jogador) e "El Capitán de América", Héctor Chumpitaz.

No mundial de 1982 realizado em Espanha, o brilhantismo da geração de ouro estava começando a diminuir. Depois de um empate decepcionante com Camarões e um honroso empate em 1x1 com a Itália, eventuais vencedores, o Peru foi dilacerado pela elegante e incisiva dupla polaca formada por Lato e Boniek perdendo por 5x1 e, infelizmente eliminados, não foram vistos no torneio. Cubillas permanece até hoje como um dos dois únicos jogadores que marcaram 5 gols em duas Copas do Mundo, sendo o outro Miroslav Klose.

A natureza fugaz do sucesso do Peru pode ser ligada ao estado atual de desespero de seus clubes. Não é por acaso que nenhum clube do Peru já ganhou a Copa Libertadores da América, e o país tem apenas uma conquista da Copa Sulamericana, vencida pelo Cienciano somente em 2003.

O Campeonato Peruano de Futebol foi ganho três vezes nos últimos anos (2007, 2008 e 2010) pelo Universidad San Martín que só formou em 2004 e que recentemente retirou-se do Campeonato em protesto contra a inépcia da Federação Peruana de Futebol e sua vista grossa à acumulação de dívidas pelos grandes clubes tradicionais, como Alianza Lima. As atuais fissuras da administração financeira dos clubes peruanos de alguma forma pode explicar por que o desenvolvimento de jogadores de base e da seleção do Peru estiveram em estagnação por tanto tempo.

Cubillas, uma figura cada vez mais influente no jogo peruano, fala muito do nível técnico dos jogadores peruanos atuais, argumentando que jogadores como Farfán, Claudio Pizarro e Paolo Guerrero são tão bons como os seus antecessores. No entanto, certamente, o problema está a má administração dos clubes peruanos, que tem visto os seus jogadores desmotivados por meses de salários atrasados e, como uma consequência inevitável, os clubes do país tornaram-se menos competitivos na competição continental.

Apesar do panorama complexo de futebol peruano, Cubillas continua a repetir o comentário que ele fez no dia em que se aposentou dos gramados, não deixando qualquer dúvida sobre o seu orgulho nacional e que resume o espírito de sua equipe: "Si volviera a nacer volvería a jugar a la pelota, empezaría en el Alianza Lima y volvería a nacer en el Perú". (Se eu pudesse ser viver minha vida novamente eu não mudaria nada, eu seria um jogador de futebol, eu seria peruano, e eu ia começar a jogar no Alianza Lima). A geração de ouro do Peru tem o seu lugar mais que merecido no folclore do futebol latino-americano.

 
 
 

Comments


Histórias em destaque!
Histórias recentes!
Arquivo
Arquivo de Histórias
Do que estamos falando?
Siga-nos!
  • Facebook Basic Square
  • Instagram Social Icon

Siga-nos nas redes sociais!

Matheus Morais

  • Instagram Clean
  • Twitter Clean

Pedro Bragança

  • Twitter Clean
  • Instagram Clean

© 2015 by Futebol com Café. Proudly created with Wix.com

bottom of page